Belo texto (mais um) do nosso Luís Fernando Veríssimo, publicado originalmente na edição de hoje dos jornais O Globo e Gazeta do Povo. Sempre vale a pena ler, ainda mais quando o escritor colorado resolve falar de futebol - mesmo que parcialmente.
Agora posso contar. Fui eu que consegui a vitória do Internacional no campeonato mundial inter-clubes, no Japão, em 2006.
Foi assim. Recebi uma oferta do Diabo pela minha alma. Veio por e-mail, de sorte que nem vi a sua cara. Ele procurava na internet pessoas dispostas a trocar sua alma pelo que quisessem. Respostas para 666@belzebu.com. A pessoa empenhava sua alma ao Diabo, para entregar na saída, e em troca poderia pedir duas coisas. Mas só duas coisas.
Perguntei como eu poderia ter certeza que ele cumpriria a sua parte no trato. Depois da minha alma empenhada, contrato assinado com sangue, etc,. ele poderia simplesmente não atender os meus pedidos. Ele propôs que fizéssemos um teste. Que eu pedisse alguma coisa impossível. Que o meu pedido fosse um delírio, algo totalmente fora da realidade. Se ele cumprisse o prometido, eu saberia que sua oferta era para valer. E só então lhe entregaria a minha alma. Concordei.
Qual seria o meu primeiro pedido? Pensei imediatamente no Internacional. Está certo, antes pensei na Luana Piovani, mas aí achei que poderia dar confusão. Em seguida pensei no Internacional. Um campeonato do mundo para o Internacional! Decisão contra o Barcelona. Sua resposta veio num e-mail conciso:
– Feito.
E foi o que se viu. Vitória sobre o Barcelona contra todas as probabilidades. Inter campeão do mundo. O trato com o Diabo era, por assim dizer, quente. E eu podia fazer meu segundo pedido. Um bicampeonato do mundo para o Inter? Conclui que estava sendo egoísta demais. Estava pensando só na alegria dos colorados – e passageira, pois não poderia pedir vitórias do Internacional em todos os campeonatos, para sempre – e esquecendo o meu país. Deveria pedir, pela minha alma, algo que desse alegria a todos, inclusive gremistas. O quê? Quero que o Brasil se transforme num país escandinavo. Agora! Um país organizado, sem crime, sem fome, sem injustiça, sem conflitos, magnificamente chato. Era isso: minha alma por um país aborrecido!
Foi o que botei no meu e-mail para o Diabo. Ele respondeu perguntando se eu tinha pensado bem no que estava pedindo. Eu deveria saber que a adaptação seria difícil. A conversão da moeda, a língua, o frio, os hábitos diferentes... E que seria impossível preservar tudo o que nos faz simpáticos, e criativos, e divertidos – enfim, brasileiros no bom sentido – sem a bagunça e o mau caráter. Ou ser escandinavo só durante o expediente e brasileiro depois. Era mesmo o que eu queria? É, respondi. Chega desta irresponsabilidade tropical, desta indecência social disfarçada de bonomia, desta irresolução criminosa que passa por afabilidade, deste eterno adiamento de tudo. Faça-nos escandinavos, já!
O Diabo: “Tem certeza? Já?”
Eu: “Bom... Depois do carnaval”.
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